Tom Ford | Diretor faz crítica ao filme Casa Gucci

O estilista e diretor de cinema Tom Ford, responsável pelos premiados filmes "A Single Man" e "Nocturnal Animals", escreveu para o Air Mail, no último dia 27, uma crítica ao filme "House of Gucci", de Ridley Scott.

O diretor, que começou a trabalhar na Gucci em 1990 e foi o diretor de criação na marca, de 1994 a 2004, começa a sua crítica brincando com o fato de ter sobrevivido às duas horas e meia de filme.

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"Eu me senti como se tivesse sobrevivido a um furacão quando saí do teatro. Foi uma farsa ou um conto emocionante de ganância? Muitas vezes eu ria alto, mas deveria? [...] Às vezes, quando Al Pacino como Aldo Gucci e Jared Leto como seu filho Paolo Gucci estavam em cena, eu tinha a impressão de estar vendo um esquete do 'Saturday Night Live'", salienta o diretor sobre o famoso programa humorístico norte americano.

Ford conheceu bem Maurizio Gucci e trabalhou com ele durante quatro dos anos que são cobertos no filme. O diretor conta que Maurizio foi assassinado na manhã de 27 de março de 1995, a poucos passos de seu escritório em Milão.

"Se eu não estivesse em nosso escritório em Florença naquele dia, certamente teria ouvido os tiros que o mataram. Eu também conhecia muitos dos outros personagens desta saga e fui entrevistado em várias ocasiões para o livro que foi a fonte do filme, então é difícil para mim separar a realidade da novela brilhante e fortemente laqueada que testemunhei em tela. Como acontece com a maioria dos filmes baseados em uma história verdadeira, os fatos são alterados, os personagens são exagerados, os cronogramas distorcidos e, no final, quem se importa, contanto que essas alterações rendam um grande filme?"

Adam Driver/ Imagem: Reprodução

Ford aponta a atuação do ator Adam Driver, que vive Maurizio Gucci na tela, como a menos exagerada "sutil e cheia de nuance. Ele é a calma no olho da tempestade que gira em torno dele enquanto seus colegas atores lutam para ver quem pode destruir mais o cenário.", aponta ainda que Maurizio era muito mais interessante na vida do que sugere sua representação no filme.

"Ele poderia ser incrivelmente charmoso e surpreendentemente sexy se você o pegasse quando ele estava relaxado. Ele tinha uma visão verdadeira para a empresa, mas tinha dificuldade em se concentrar. Ele estava inconstante. Ele estaria em uma reunião, entraria no banheiro e voltaria uma pessoa completamente diferente. Ele era hetero, pelo que eu sabia, mas passava horas nas tardes trancado em seu escritório com seu decorador e muitas vezes desaparecia por semanas em seu barco com o homem. Ele desejava nobremente que a Gucci fosse mais uma vez a Hermès italiana de sua infância. Infelizmente, ele era um péssimo empresário e acabou com a empresa. Ele costumava amarrar toda a equipe de design por semanas fazendo novos uniformes para a tripulação de seu iate, o Creole, em vez de nos deixar sozinhos para projetar a coleção."

Ford também aponta invenções do roteiro nas cenas que o envolve. Ele foi diretor criativo da Gucci na época do assassinato de Maurizio, mas nunca teve interações com o herdeiro da grife, que estava afastado da empresa quando ele começou a trabalhar lá.
 
A parte de Maurizio havia sido comprada da empresa quando assumi o cargo de diretor de criação da Gucci e fiz minha primeira coleção de sucesso. Ele (Maurizio) certamente nunca me brindou depois daquele show como faz no filme.

Sobre Jared Leto, que vive Paolo Gucci, Ford critica o excesso de maquiagem "O brilho de Leto como ator está literalmente enterrado sob próteses de látex." Ele comentou que, embora Paolo fosse excêntrico e tenha feito algumas coisas malucas, seu comportamento geral não era tão enlouquecido ou aparentemente problemático quanto a interpretação de Leto no filme. 

No entanto, Ford reconheceu que Leto trouxe algumas das melhores falas do filme e até conseguiu realizar um ato que sempre desejou: urinar no famoso lenço Gucci Flora criado para a princesa Grace. Ford admitiu sentir ciúmes dessa cena, já que sempre quis fazer isso sozinho, devido aos constantes pedidos dirigidos a ele para tentar reviver "aquele maldito lenço".

Lady Gaga/ Imagem: Reprodução

De positivo, Ford lembra o talento dos atores, destacando a Lady Gaga. "Mas a verdadeira estrela do filme para mim é Gaga. É o filme dela, e ela rouba o show." Celebra o Jeremy Irons, como Rodolfo Gucci, o pai de Maurizio, como tendo um desempenho muito mais contido e em camadas do que seus parentes na tela.

O diretor aponta o fato do papel de Salma Hayek ser subutilizada no papel da médiun da televisão Pina Auriemma, que é a chave da saga. Mas aplaude a ironia de sua escalação, pelo fato do seu marido ser o atual dono da Gucci, François-Henri Pinault. Ele é CEO e presidente do conglomerado de moda de luxo Kering, que possui marcas como Gucci. Fato que, segundo Tom Ford, "se perderá no grande público."

Em última análise, Ford lamenta ter decidido assistir ao filme, porque acabou afetado pela experiência. 
Fiquei profundamente triste por vários dias depois de assistir a 'Casa Gucci'.

Sua reação foi algo que apenas aqueles que conheciam os personagens e a história real poderiam compreender. Para ele, foi difícil ver a transformação do que foi tão sangrento em humor e breguice. "Na vida real, nada daquilo foi considerado cafona. Às vezes, era absurdo, mas no final das contas, era trágico."


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