Extermínio: A Evolução (Resenha com Spoiler)

Há algo de desconcertante e ao mesmo tempo fascinante em 28 Years Later, no Brasil Extermínio: A Evolução, o terceiro filme da trilogia que começou com 28 Days Later, de 2002. Danny Boyle e Alex Garland voltam à parceria (diretor / roteirista), e é curioso como isso por si só já carrega peso simbólico. Afinal, o tempo passou, o mundo mudou e tivemos uma grande pausa abrupta global. A pandemia, o lockdown, o medo coletivo e a paranóia consecutiva. Muitos países pararam por mais de 200 dias – mas nada disso, curiosamente, parece ter peso neste novo filme. O clima é outro. A vontade é outra. Entendi.
Como de costume nessa série de filmes, os personagens mudaram, assim como a forma de contar a história. Confesso que o salto temporal entre os títulos ainda me soa estranho. De 28 days a 28 weeks, saltar diretamente para 28 years carrega uma ambição quase metafísica. Além disso, o filme trata esse intervalo com uma naturalidade que não explora suas implicações de forma realmente contundente. Aqui, os infectados pelo vírus da raiva parecem fazer parte do meio, como se a natureza fosse sua casa. Não estão apenas de passagem. A ideia que passa é de adaptação a esses espaços. – Imagina, eles procriam? Sabemos que eles se reorganizam. E, ainda assim, a velha discussão permanece: o que exatamente se perde quando um ser humano é contaminado por algo que o faz... perder a cabeça? Será que eles se perdem mesmo? – Logo tudo começa a me parecer extremamente cômico.
Desde sempre o cineasta Danny Boyle é imprevisível. Diferente de outros diretores que sabemos o que esperar, Boyle parece gostar de brincar com a expectativa do público como quem muda de estação num rádio quebrado. Sunshine começa como um sci-fi de contemplação cósmica e termina como um slasher claustrofóbico. The Beach parece uma aventura idealista à la Na Natureza Selvagem, mas desce rapidamente para um pesadelo paranoico sobre a falência de utopias. Já Trance se vende como um suspense de roubo de arte e vira uma espiral hipnótica sobre manipulação mental e identidade. Assim como nesses, entre outros filmes, em 28 Years Later pode-se esperar o mesmo: um terreno instável onde gêneros se fundem e o controle escapa. Agora, o quanto isso é virtude ou ruído depende de quem assiste.
Essa nova entrada até tenta manter certo espírito do original: o grão sujo, o desconforto visual e o caos na montagem – mas é forçado e não serve a outro propósito além do estético. O que parecem imagens de câmera noturna ou artifício militar dentro da história não passam de inserções. O filme usa, inclusive, o audio sinistro do primeiro trailer, o qual comentei noutro artigo, durante uma sequencia de treinamento bélico mirim, tentando criar também uma atmosfera que na verdade não encontra o devido lugar no filme.
Passada a desconjuntura inicial de sua montagem, o filme revela outra ambição. Pois tem pressa. Quem assiste a esse filme sem conhecer os anteriores talvez nem perceba. O tom de sua abertura é apressado e um tanto impaciente – cômico, eu diria – quando lhe falta a sutileza rica das aberturas dos outros dois. Não há peso dramático real, apenas um impacto superficial, já que nada é desenvolvido de fato. Funciona apenas como um elo frouxo entre o início e um encerramento que soa ainda mais desconjuntado.
Falando em imprevisibilidade, além do tom espiritual, quase etéreo, que se alterna entre a contemplação da natureza e surtos de violência visual bastante primitivos, os quais mencionei, o roteiro parece dividido entre três filmes diferentes. Primeiro, temos o arco pai e filho. Depois, uma virada que coloca esse filho como cuidador de uma mãe doente. Por fim, o terceiro ato abandona quase tudo e flerta com uma psicodelia, com direito a personagem messiânico e simbolismos frágeis.
Quem achou que Aaron Taylor-Johnson era o protagonista se enganou. O filme o acompanha até certo ponto, enquanto ensina o filho Spike, interpretado por Alfie Williams, e, de repente, sem muita explicação, ele desaparece da história, dando espaço para o verdadeiro protagonista, o garoto de 12 anos. É ele quem carrega grande parte do filme, e fica claro que a intenção é transformar tudo isso numa jornada de amadurecimento.
Em vez do terror assumido dos anteriores, 28 Years Later está mais interessado no drama introspectivo com toques místicos e visuais poéticos, protagonizado por uma criança em uma jornada de amadurecimento que, nos outros filmes, seria inviável – ele não teria chance alguma naqueles cenários. Mas aqui ele é salvo não só pelo deus ex machina, a figura emblemática do Dr. Ian Kelson, interpretado por Ralph Fiennes, como também por uma licença poética que às vezes apela à nossa suspensão de descrença. A narrativa fragmentada, algumas metáforas forçadas, e outras, como a maternidade como esperança, soam recicladas de outros filmes do gênero e pedem um novo olhar a franquia que me parece disputar contra si mesma.
Ralph Fiennes é o ponto alto do filme, trazendo uma performance surpreendentemente leve, com certo alívio cômico e desprendimento no papel do doutor descrito como insano, uma personalidade exilada, porém dotada de conhecimento sobre o vírus da raiva, com experiência prática ao lidar com infectados e dono de uma moral filosófica apropriada aos terrores do apocalipse. Sua presença em cena é magnética, equilibrando excentricidade e sabedoria de forma sutil. Mesmo em diálogos breves, carrega uma densidade emocional que dá ao filme momentos de verdadeiro impacto. No entanto, seu potencial simbólico acaba sendo reduzido a um gesto estético pontual, quando havia espaço para mais. Ainda assim, o personagem deixa uma marca.
No fim, o que temos à mostra é um filme preso entre o legado que carrega e a ambição de reinventar o que já funcionava. E talvez o maior problema seja esse: Boyle não me parece continuar uma história – mas sim fundar um novo panteão. Ele mostra a que veio. Quer uma nova trilogia de zumbis, mesmo que para isso precise reconfigurar algumas regras do próprio universo que ajudou a criar. Mas a mitologia aqui ainda está em rascunho. O clássico moderno 28 Days ajudou a revitalizar o gênero zumbi. Se hoje temos zumbis rápidos é por causa dele. Mas o que 28 Yeas Later traz de novidade não soa como novidade.
Como de costume nessa série de filmes, os personagens mudaram, assim como a forma de contar a história. Confesso que o salto temporal entre os títulos ainda me soa estranho. De 28 days a 28 weeks, saltar diretamente para 28 years carrega uma ambição quase metafísica. Além disso, o filme trata esse intervalo com uma naturalidade que não explora suas implicações de forma realmente contundente. Aqui, os infectados pelo vírus da raiva parecem fazer parte do meio, como se a natureza fosse sua casa. Não estão apenas de passagem. A ideia que passa é de adaptação a esses espaços. – Imagina, eles procriam? Sabemos que eles se reorganizam. E, ainda assim, a velha discussão permanece: o que exatamente se perde quando um ser humano é contaminado por algo que o faz... perder a cabeça? Será que eles se perdem mesmo? – Logo tudo começa a me parecer extremamente cômico.
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"28 Years Later" – imagem de divulgação / Sony Pictures |
Desde sempre o cineasta Danny Boyle é imprevisível. Diferente de outros diretores que sabemos o que esperar, Boyle parece gostar de brincar com a expectativa do público como quem muda de estação num rádio quebrado. Sunshine começa como um sci-fi de contemplação cósmica e termina como um slasher claustrofóbico. The Beach parece uma aventura idealista à la Na Natureza Selvagem, mas desce rapidamente para um pesadelo paranoico sobre a falência de utopias. Já Trance se vende como um suspense de roubo de arte e vira uma espiral hipnótica sobre manipulação mental e identidade. Assim como nesses, entre outros filmes, em 28 Years Later pode-se esperar o mesmo: um terreno instável onde gêneros se fundem e o controle escapa. Agora, o quanto isso é virtude ou ruído depende de quem assiste.
Essa nova entrada até tenta manter certo espírito do original: o grão sujo, o desconforto visual e o caos na montagem – mas é forçado e não serve a outro propósito além do estético. O que parecem imagens de câmera noturna ou artifício militar dentro da história não passam de inserções. O filme usa, inclusive, o audio sinistro do primeiro trailer, o qual comentei noutro artigo, durante uma sequencia de treinamento bélico mirim, tentando criar também uma atmosfera que na verdade não encontra o devido lugar no filme.
Falando em imprevisibilidade, além do tom espiritual, quase etéreo, que se alterna entre a contemplação da natureza e surtos de violência visual bastante primitivos, os quais mencionei, o roteiro parece dividido entre três filmes diferentes. Primeiro, temos o arco pai e filho. Depois, uma virada que coloca esse filho como cuidador de uma mãe doente. Por fim, o terceiro ato abandona quase tudo e flerta com uma psicodelia, com direito a personagem messiânico e simbolismos frágeis.
Quem achou que Aaron Taylor-Johnson era o protagonista se enganou. O filme o acompanha até certo ponto, enquanto ensina o filho Spike, interpretado por Alfie Williams, e, de repente, sem muita explicação, ele desaparece da história, dando espaço para o verdadeiro protagonista, o garoto de 12 anos. É ele quem carrega grande parte do filme, e fica claro que a intenção é transformar tudo isso numa jornada de amadurecimento.
Em vez do terror assumido dos anteriores, 28 Years Later está mais interessado no drama introspectivo com toques místicos e visuais poéticos, protagonizado por uma criança em uma jornada de amadurecimento que, nos outros filmes, seria inviável – ele não teria chance alguma naqueles cenários. Mas aqui ele é salvo não só pelo deus ex machina, a figura emblemática do Dr. Ian Kelson, interpretado por Ralph Fiennes, como também por uma licença poética que às vezes apela à nossa suspensão de descrença. A narrativa fragmentada, algumas metáforas forçadas, e outras, como a maternidade como esperança, soam recicladas de outros filmes do gênero e pedem um novo olhar a franquia que me parece disputar contra si mesma.
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"28 Years Later" – imagem de divulgação / Sony Pictures |
Ralph Fiennes é o ponto alto do filme, trazendo uma performance surpreendentemente leve, com certo alívio cômico e desprendimento no papel do doutor descrito como insano, uma personalidade exilada, porém dotada de conhecimento sobre o vírus da raiva, com experiência prática ao lidar com infectados e dono de uma moral filosófica apropriada aos terrores do apocalipse. Sua presença em cena é magnética, equilibrando excentricidade e sabedoria de forma sutil. Mesmo em diálogos breves, carrega uma densidade emocional que dá ao filme momentos de verdadeiro impacto. No entanto, seu potencial simbólico acaba sendo reduzido a um gesto estético pontual, quando havia espaço para mais. Ainda assim, o personagem deixa uma marca.
No fim, o que temos à mostra é um filme preso entre o legado que carrega e a ambição de reinventar o que já funcionava. E talvez o maior problema seja esse: Boyle não me parece continuar uma história – mas sim fundar um novo panteão. Ele mostra a que veio. Quer uma nova trilogia de zumbis, mesmo que para isso precise reconfigurar algumas regras do próprio universo que ajudou a criar. Mas a mitologia aqui ainda está em rascunho. O clássico moderno 28 Days ajudou a revitalizar o gênero zumbi. Se hoje temos zumbis rápidos é por causa dele. Mas o que 28 Yeas Later traz de novidade não soa como novidade.
Sobretudo, 28 Years Later é uma obra cheia de tentativas – algumas falham, outras encantam. É disperso, sim, mas ao menos tenta algo novo dentro de um gênero saturado. Pode irritar, causar mais nojo do que medo – ou nem tanto medo assim –, mas certamente deve agradar a quem se interessa por experiências mais experimentais no cinema de horror. Mesmo que este não seja, de todo, horror. Em poucas palavras, este filme é menos um horror de contaminação viral e mais um estudo introspectivo; justamente por subverter o que se espera de uma sequência em uma das franquias mais intensas do cinema zumbi.
* * *
Nota Crítica:
28 Years Later escapa de ser um desastre completo porque há quem ainda defenda – e confunda – gambiarra estética com genialidade visionária. Falar mal? Jamais. É filme de diretor. E se você ousa criticar, é porque "não entendeu a proposta"... Talvez precise rever com o olhar da alma porque nem sempre devemos confiar na primeira impressão que temos das coisas.
É pra rir?
Shaun of the Dead é uma comédia, paródia assumida de horror, com muito mais atmosfera e impacto narrativo do que isso.
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