Cannes 2025 – Entre aplausos, vaias e Promessas Futuras que ainda vão render conversa

Nem todo filme nasce ovacionado. Alguns longas chegam cercados de expectativa e saem com recepção morna. Outros, sem aviso prévio, surpreendem e ganham força na temporada de prêmios. Eu acompanho de longe, mas com atenção dedicada: entrevistas, cobertura da imprensa e, principalmente, as notas da crítica profissional. O Metacritic é um bom aliado.

Com base nessas notas e na repercussão crítica, seleciono aqui os títulos que mais se destacaram – para o bem e para o mal – no Festival de Cannes 2025. Uma curadoria rápida, direta e (espero) útil para quem quer saber quais filmes devem marcar presença nas premiações e conversas cinéfilas dos próximos meses.





"Eddington" (Imagem de Divulgação)

Começando com os títulos que causaram mais estranhamento do que entusiasmo, Scarlett Johansson, na cadeira de diretora, causou mais espanto que admiração com o seu filme de estreia Eleanor the Great. O drama psicológico de composição estética até convincente foi recebido com aquele aplauso protocolar, de quem ainda está tentando entender o que viu. A crítica se dividiu entre "corajosa tentativa" e "estética sem propósito". Talvez falte à atriz-diretora o que sobra a diretores menos midiáticos: tempo de silêncio antes do grito.

Logo abaixo, Alpha, o novo filme de Julia Ducournau, parece ter invertido a própria lógica que consagrou Titane. Onde havia choque e magnetismo, agora havia ruído. Alguns chamaram de ousadia, outros de pretensão. Mas Ducournau nunca quis consenso, então talvez esteja tudo certo.

Falando em diretores com legiões de fãs, Wes Anderson é um nome que sempre gera expectativa. Mas, pelo que estão comentando sobre The Phoenician Scheme, parece que ele já atingiu o auge em algum momento da carreira – e o que chamamos de "estilo" hoje pode ser, na verdade, uma repetição de fórmulas já conhecidas. Embora haja elogios em meio às insatisfações, Anderson é uma prova de que, mesmo os cineastas mais celebrados, às vezes, precisam renovar o olhar para não cair na mesmice.

Ari Aster também voltou, com Eddington, e aqui o tempo pareceu escorrer em câmera lenta. Um filme sobre isolamento em meio à pandemia, estrelado por Joaquin Phoenix e Pedro Pascal. Boos e aplausos se misturaram. Aster não mudou: ainda encena o trauma com rigidez onírica, mas talvez o público tenha mudado de disposição. Comentários sugerem polaridade, entre vaias e aplausos.

Nouvelle Vague, de Richard Linklater, era uma promessa cinéfila. Um filme sobre a feitura de Acossado tinha tudo pra encantar, mas passou sem prêmio, talvez pela reverência excessiva ou porque o próprio Linklater tenha ficado preso no espelho retrovisor. Ainda assim, a falta de distribuição nos EUA pode fazer dele aquele título cult do ano.

Enquanto isso, Spike Lee trouxe Highest 2 Lowest, sua releitura de High and Low, de Kurosawa. Fora de competição, o filme chamou atenção pela força de Denzel Washington e Jeffrey Wright, além de um A$AP Rocky surpreendentemente contido. As críticas foram positivas, mas havia um ar de "já vi melhor dele". Mesmo assim, é Spike Lee em Cannes – e isso por si só já diz algo.

The History of Sound, com Paul Mescal e Josh O’Connor, tocou em frequências mais suaves. Um romance entre músicos, embalado por atuações que poderão facilmente emergir na temporada de prêmios. Nada espetacular, mas bonito e sincero – algo que Cannes nem sempre valoriza.


"The Little Sister"(Imagem de Divulgação)

Entre os filmes mais falados, Die, My Love, de Lynne Ramsay, trouxe Jennifer Lawrence em estado bruto. Ela encarna uma mulher em espiral pós-parto, e a atuação dela, que divide cena com Robert Pattinson, já figura nas listas de apostas para o Oscar. Ramsay, que sempre filma como se quisesse deixar cicatriz, ao que parece entregou mais um soco delicado.

Mas o festival começou a mudar de tom com The Little Sister, de Hafsia Herzi. Nadia Melliti venceu merecidamente o prêmio de Melhor Atriz com uma personagem que vive entre a tradição e o desejo. O filme levou também a Queer Palm, e por bons motivos – sensível, político, íntimo. Um daqueles pequenos grandes filmes.

A partir daí, Cannes foi ficando cada vez mais imbatível. Young Mothers, dos Irmãos Dardenne, arrebatou Melhor Roteiro com seu retrato de cinco mulheres e suas cicatrizes precoces. Se a fórmula deles por vezes soa repetida, aqui ela pareceu urgentemente necessária.

O Brasil fez bonito mais uma vez, desta vez com O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho. Ambientado nos últimos anos da ditadura, o filme é um reencontro com o passado recente, e venceu Melhor Direção. Wagner Moura, nesse mesmo filme, levou Melhor Ator – e quando o nome dele foi anunciado, houve aquele tipo raro de aplauso espontâneo, sem precisar de legenda.


"Sentimental Value" (Imagem de Divulgação)

Dois filmes dividiram o Prêmio do Júri: Sound of Falling, da alemã Mascha Schilinski, que entrelaça histórias femininas ao longo de décadas em uma mesma fazenda, e Sirât, de Oliver Laxe, que acompanha um pai e um filho em busca da filha desaparecida nas dunas marroquinas. Dois filmes visualmente opostos, mas com algo em comum – uma sensação de perda ancestral.

Sentimental Value, de Joachim Trier, ficou com o Grand Prix. É um filme sobre família, legado e ausência, com Renate Reinsve e Stellan Skarsgård entregando atuações que quebraram corações. Foi a sessão com a ovação mais longa do festival, e com razão. Trier escreve sentimentos com a precisão de quem já os sentiu...

Mas foi It Was Just an Accident, de Jafar Panahi (capa), que levou a Palma de Ouro. Um acidente de carro. Um rosto que talvez seja de um torturador. E então, o dilema moral. É um filme sobre memória coletiva, sobre o que acontece quando o passado bate à porta sem avisar. E o mais impressionante: Panahi não filma com raiva, mas com um tipo raro de compaixão amarga. Um gesto de resistência e beleza.



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Vale lembrar que nem todo filme bem recebido em Cannes ecoa da mesma forma quando chega ao público. Festival é um termômetro, não uma sentença.

Alguns títulos encantam a crítica, mas passam batido no circuito comercial (The History of Sound pode ser um desses). Outros causam polêmica e dividem opiniões – o que, na prática, só aumenta a curiosidade (Eddington, de Ari Aster, que o diga). E há aqueles que conseguem os dois: reconhecimento imediato e impacto duradouro. It Was Just an Accident, de Jafar Panahi, parece caminhar nessa direção.

Cannes lança a faísca. E nós, do lado de cá, seguimos esperando a estreia de todos esses filmes. Não só para vê-los, mas para continuar discutindo o que o cinema ainda pode ser.

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