Cannes 2025 – Entre aplausos, vaias e Promessas Futuras que ainda vão render conversa

Nem todo filme nasce ovacionado. Alguns longas chegam cercados de expectativa e saem com recepção morna. Outros, sem aviso prévio, surpreendem e ganham força na temporada de prêmios. Eu acompanho de longe, mas com atenção dedicada: entrevistas, cobertura da imprensa e, principalmente, as notas da crítica profissional. O Metacritic é um bom aliado.
Com base nessas notas e na repercussão crítica, seleciono aqui os títulos que mais se destacaram – para o bem e para o mal – no Festival de Cannes 2025. Uma curadoria rápida, direta e (espero) útil para quem quer saber quais filmes devem marcar presença nas premiações e conversas cinéfilas dos próximos meses.
The History of Sound, com Paul Mescal e Josh O’Connor, tocou em frequências mais suaves. Um romance entre músicos, embalado por atuações que poderão facilmente emergir na temporada de prêmios. Nada espetacular, mas bonito e sincero – algo que Cannes nem sempre valoriza.
Entre os filmes mais falados, Die, My Love, de Lynne Ramsay, trouxe Jennifer Lawrence em estado bruto. Ela encarna uma mulher em espiral pós-parto, e a atuação dela, que divide cena com Robert Pattinson, já figura nas listas de apostas para o Oscar. Ramsay, que sempre filma como se quisesse deixar cicatriz, ao que parece entregou mais um soco delicado.
Mas o festival começou a mudar de tom com The Little Sister, de Hafsia Herzi. Nadia Melliti venceu merecidamente o prêmio de Melhor Atriz com uma personagem que vive entre a tradição e o desejo. O filme levou também a Queer Palm, e por bons motivos – sensível, político, íntimo. Um daqueles pequenos grandes filmes.
A partir daí, Cannes foi ficando cada vez mais imbatível. Young Mothers, dos Irmãos Dardenne, arrebatou Melhor Roteiro com seu retrato de cinco mulheres e suas cicatrizes precoces. Se a fórmula deles por vezes soa repetida, aqui ela pareceu urgentemente necessária.
O Brasil fez bonito mais uma vez, desta vez com O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho. Ambientado nos últimos anos da ditadura, o filme é um reencontro com o passado recente, e venceu Melhor Direção. Wagner Moura, nesse mesmo filme, levou Melhor Ator – e quando o nome dele foi anunciado, houve aquele tipo raro de aplauso espontâneo, sem precisar de legenda.
Sentimental Value, de Joachim Trier, ficou com o Grand Prix. É um filme sobre família, legado e ausência, com Renate Reinsve e Stellan Skarsgård entregando atuações que quebraram corações. Foi a sessão com a ovação mais longa do festival, e com razão. Trier escreve sentimentos com a precisão de quem já os sentiu...
Mas foi It Was Just an Accident, de Jafar Panahi (capa), que levou a Palma de Ouro. Um acidente de carro. Um rosto que talvez seja de um torturador. E então, o dilema moral. É um filme sobre memória coletiva, sobre o que acontece quando o passado bate à porta sem avisar. E o mais impressionante: Panahi não filma com raiva, mas com um tipo raro de compaixão amarga. Um gesto de resistência e beleza.
Vale lembrar que nem todo filme bem recebido em Cannes ecoa da mesma forma quando chega ao público. Festival é um termômetro, não uma sentença.
Alguns títulos encantam a crítica, mas passam batido no circuito comercial (The History of Sound pode ser um desses). Outros causam polêmica e dividem opiniões – o que, na prática, só aumenta a curiosidade (Eddington, de Ari Aster, que o diga). E há aqueles que conseguem os dois: reconhecimento imediato e impacto duradouro. It Was Just an Accident, de Jafar Panahi, parece caminhar nessa direção.
Cannes lança a faísca. E nós, do lado de cá, seguimos esperando a estreia de todos esses filmes. Não só para vê-los, mas para continuar discutindo o que o cinema ainda pode ser.
Com base nessas notas e na repercussão crítica, seleciono aqui os títulos que mais se destacaram – para o bem e para o mal – no Festival de Cannes 2025. Uma curadoria rápida, direta e (espero) útil para quem quer saber quais filmes devem marcar presença nas premiações e conversas cinéfilas dos próximos meses.
Começando com os títulos que causaram mais estranhamento do que entusiasmo, Scarlett Johansson, na cadeira de diretora, causou mais espanto que admiração com o seu filme de estreia Eleanor the Great. O drama psicológico de composição estética até convincente foi recebido com aquele aplauso protocolar, de quem ainda está tentando entender o que viu. A crítica se dividiu entre "corajosa tentativa" e "estética sem propósito". Talvez falte à atriz-diretora o que sobra a diretores menos midiáticos: tempo de silêncio antes do grito.
Logo abaixo, Alpha, o novo filme de Julia Ducournau, parece ter invertido a própria lógica que consagrou Titane. Onde havia choque e magnetismo, agora havia ruído. Alguns chamaram de ousadia, outros de pretensão. Mas Ducournau nunca quis consenso, então talvez esteja tudo certo.
Logo abaixo, Alpha, o novo filme de Julia Ducournau, parece ter invertido a própria lógica que consagrou Titane. Onde havia choque e magnetismo, agora havia ruído. Alguns chamaram de ousadia, outros de pretensão. Mas Ducournau nunca quis consenso, então talvez esteja tudo certo.
Falando em diretores com legiões de fãs, Wes Anderson é um nome que sempre gera expectativa. Mas, pelo que estão comentando sobre The Phoenician Scheme, parece que ele já atingiu o auge em algum momento da carreira – e o que chamamos de "estilo" hoje pode ser, na verdade, uma repetição de fórmulas já conhecidas. Embora haja elogios em meio às insatisfações, Anderson é uma prova de que, mesmo os cineastas mais celebrados, às vezes, precisam renovar o olhar para não cair na mesmice.
Ari Aster também voltou, com Eddington, e aqui o tempo pareceu escorrer em câmera lenta. Um filme sobre isolamento em meio à pandemia, estrelado por Joaquin Phoenix e Pedro Pascal. Boos e aplausos se misturaram. Aster não mudou: ainda encena o trauma com rigidez onírica, mas talvez o público tenha mudado de disposição. Comentários sugerem polaridade, entre vaias e aplausos.
Já Nouvelle Vague, de Richard Linklater, era uma promessa cinéfila. Um filme sobre a feitura de Acossado tinha tudo pra encantar, mas passou sem prêmio, talvez pela reverência excessiva ou porque o próprio Linklater tenha ficado preso no espelho retrovisor. Ainda assim, a falta de distribuição nos EUA pode fazer dele aquele título cult do ano.
Enquanto isso, Spike Lee trouxe Highest 2 Lowest, sua releitura de High and Low, de Kurosawa. Fora de competição, o filme chamou atenção pela força de Denzel Washington e Jeffrey Wright, além de um A$AP Rocky surpreendentemente contido. As críticas foram positivas, mas havia um ar de "já vi melhor dele". Mesmo assim, é Spike Lee em Cannes – e isso por si só já diz algo.
Ari Aster também voltou, com Eddington, e aqui o tempo pareceu escorrer em câmera lenta. Um filme sobre isolamento em meio à pandemia, estrelado por Joaquin Phoenix e Pedro Pascal. Boos e aplausos se misturaram. Aster não mudou: ainda encena o trauma com rigidez onírica, mas talvez o público tenha mudado de disposição. Comentários sugerem polaridade, entre vaias e aplausos.
Já Nouvelle Vague, de Richard Linklater, era uma promessa cinéfila. Um filme sobre a feitura de Acossado tinha tudo pra encantar, mas passou sem prêmio, talvez pela reverência excessiva ou porque o próprio Linklater tenha ficado preso no espelho retrovisor. Ainda assim, a falta de distribuição nos EUA pode fazer dele aquele título cult do ano.
Enquanto isso, Spike Lee trouxe Highest 2 Lowest, sua releitura de High and Low, de Kurosawa. Fora de competição, o filme chamou atenção pela força de Denzel Washington e Jeffrey Wright, além de um A$AP Rocky surpreendentemente contido. As críticas foram positivas, mas havia um ar de "já vi melhor dele". Mesmo assim, é Spike Lee em Cannes – e isso por si só já diz algo.
The History of Sound, com Paul Mescal e Josh O’Connor, tocou em frequências mais suaves. Um romance entre músicos, embalado por atuações que poderão facilmente emergir na temporada de prêmios. Nada espetacular, mas bonito e sincero – algo que Cannes nem sempre valoriza.
Entre os filmes mais falados, Die, My Love, de Lynne Ramsay, trouxe Jennifer Lawrence em estado bruto. Ela encarna uma mulher em espiral pós-parto, e a atuação dela, que divide cena com Robert Pattinson, já figura nas listas de apostas para o Oscar. Ramsay, que sempre filma como se quisesse deixar cicatriz, ao que parece entregou mais um soco delicado.
Mas o festival começou a mudar de tom com The Little Sister, de Hafsia Herzi. Nadia Melliti venceu merecidamente o prêmio de Melhor Atriz com uma personagem que vive entre a tradição e o desejo. O filme levou também a Queer Palm, e por bons motivos – sensível, político, íntimo. Um daqueles pequenos grandes filmes.
A partir daí, Cannes foi ficando cada vez mais imbatível. Young Mothers, dos Irmãos Dardenne, arrebatou Melhor Roteiro com seu retrato de cinco mulheres e suas cicatrizes precoces. Se a fórmula deles por vezes soa repetida, aqui ela pareceu urgentemente necessária.
O Brasil fez bonito mais uma vez, desta vez com O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho. Ambientado nos últimos anos da ditadura, o filme é um reencontro com o passado recente, e venceu Melhor Direção. Wagner Moura, nesse mesmo filme, levou Melhor Ator – e quando o nome dele foi anunciado, houve aquele tipo raro de aplauso espontâneo, sem precisar de legenda.
Dois filmes dividiram o Prêmio do Júri: Sound of Falling, da alemã Mascha Schilinski, que entrelaça histórias femininas ao longo de décadas em uma mesma fazenda, e Sirât, de Oliver Laxe, que acompanha um pai e um filho em busca da filha desaparecida nas dunas marroquinas. Dois filmes visualmente opostos, mas com algo em comum – uma sensação de perda ancestral.
Sentimental Value, de Joachim Trier, ficou com o Grand Prix. É um filme sobre família, legado e ausência, com Renate Reinsve e Stellan Skarsgård entregando atuações que quebraram corações. Foi a sessão com a ovação mais longa do festival, e com razão. Trier escreve sentimentos com a precisão de quem já os sentiu...
Mas foi It Was Just an Accident, de Jafar Panahi (capa), que levou a Palma de Ouro. Um acidente de carro. Um rosto que talvez seja de um torturador. E então, o dilema moral. É um filme sobre memória coletiva, sobre o que acontece quando o passado bate à porta sem avisar. E o mais impressionante: Panahi não filma com raiva, mas com um tipo raro de compaixão amarga. Um gesto de resistência e beleza.
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Vale lembrar que nem todo filme bem recebido em Cannes ecoa da mesma forma quando chega ao público. Festival é um termômetro, não uma sentença.
Alguns títulos encantam a crítica, mas passam batido no circuito comercial (The History of Sound pode ser um desses). Outros causam polêmica e dividem opiniões – o que, na prática, só aumenta a curiosidade (Eddington, de Ari Aster, que o diga). E há aqueles que conseguem os dois: reconhecimento imediato e impacto duradouro. It Was Just an Accident, de Jafar Panahi, parece caminhar nessa direção.
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