Thunderbolts: O Vazio é Real, Mas Já Foi Preenchido em Outros Universos (Contém Spoiler)

A Marvel, com frequência, entrega entretenimento. Mas, além disso, em Thunderbolts ela entrega catarse. Não é exagero dizer que esse filme encosta em territórios que o MCU raramente ousou tocar — não no espaço ou nas linhas do tempo alternativas, mas no vazio interior. No nada. No sentimento de não saber por que você está aqui, ou se deveria estar. 

A forma como o filme constrói seus arquétipos — especialmente a dualidade do Sentinela, vivido por Lewis Pullman, e a exaustão emocional de Yelena, na pele de Florence Pugh — é, em uma só palavra, assombrosa. Mas também trago algumas ressalvas.





Imagem promocional oficial de The New Avengers (anteriormente Thunderbolts). Divulgação/Marvel Studios

Eu acompanho esse filme desde os primeiros rumores, e a longa espera não me preparou para o que viria. A promessa era de um grupo disfuncional em uma missão suicida. O que entregaram foi uma tapeçaria emocional sobre pertencimento, trauma e a farsa do heroísmo como escapismo. A química do elenco não é apenas crível — ela pulsa. É crua, suada, desconfortável até. Não há espaço para as interações enlatadas que marcam grande parte da fórmula Marvel. As relações são construídas com escombros e silêncios, declarações há muito tempo reprimidas, presas na garganta, e mesmo quando há humor, (e há, mais do que eu esperava), ele não perde foco. 

Florence Pugh reafirma sua posição como rosto incontornável da nova fase da Marvel. Sua Yelena é o coração do filme, mas é um coração cansado, remendado. A entrega de Pugh é digna dos prêmios que o MCU raramente persegue. E Pullman... bem, Lewis Pullman faz algo que poucos atores em filmes de super-heróis conseguem: ele nos convence de que duas entidades opostas podem dividir o mesmo corpo. O Sentinela e o Vazio coexistem como LUZ e SOMBRA em estado bruto. O resultado é um personagem que transita entre o sublime e o apavorante — quase sempre ao mesmo tempo.

Tecnicamente, há algo de diferente aqui também. Jake Schreier, na direção, e Andrew Palermo, na fotografia, criam um filme que parece tátil. O uso de efeitos práticos é evidente e intencional. Você sente o peso das coisas: o barulho do concreto cedendo, o impacto físico dos confrontos, o vento que levanta quando Florence Pugh salta de um prédio colossal por pura convicção. É uma experiência que privilegia o concreto — e é justamente isso que torna o abstrato, o metafísico, tão potente.


Imagem promocional oficial de The New Avengers (anteriormente Thunderbolts). Divulgação/Marvel Studios

E a ação? Brutal. Cada personagem tem uma assinatura de combate que dialoga com sua identidade. Walker entra em cena como uma força bruta descontrolada, enquanto Yelena é pura estratégia. Ghost, por outro lado, redefine a coreografia de luta no MCU: seus movimentos são imprecisos de propósito, como se o corpo não obedecesse totalmente ao que é físico. Ela atravessa paredes e inimigos como se estivesse tentando fugir de si mesma.

E então há a cena do cofre. Um colapso perfeito de estilos e intenções, onde a montagem parece respirar junto com os personagens. É nela que o filme atinge um de seus picos, e talvez o momento em que a obra toma forma de verdade, configura o tom, seus personagens e o grande tema central: redenção. – Há algo de profundamente bonito em ver personagens que nasceram da dor encontrarem alívio uns nos outros. Thunderbolts* não se contenta em apenas mostrar uma equipe improvável se unindo: ele mergulha fundo na fragilidade de cada um deles, permitindo que seus traumas ecoem com algum senso de sinceridade. 

Uma das minhas ressalvas é sobre o desenvolvimento das personagens, que o filme não explora por completo — por exemplo, o trauma dos demais membros da equipe, ou quando todos abraçam o vazio. Vemos apenas os conflitos internos de Yelena, alguns resquícios do passado de John Walker, interpretado por Wyatt Russell, e um flashback breve (e um tanto gratuito) envolvendo Valentina, vilã sobre a qual me aprofundei no artigo anterior.


Imagem promocional oficial de The New Avengers (anteriormente Thunderbolts). Divulgação/Marvel Studios

A Marvel, por vezes criticada por evitar emoções mais densas, acerta o tom ao explorar temas como depressão, solidão e sentimento de inadequação, ainda que flerte com o risco de vilanizá-los. A minha segunda ressalva – e que dá título a esta análise – diz respeito à dinâmica entre Yelena e Bob, especialmente quando ela, mais adiante, abraça sua dor de forma literal. 

Essa relação, quase afetiva, me remete fortemente à mesma dinâmica entre Emma e Sam na série Gen V (derivada de The Boys). Os maneirismos de Bob na cena do cofre – onde ele desperta em meio aos conflitos entre os demais personagens –, sua cadência quase infantil e o modo como parece deslocado diante da violência ao redor, remetem diretamente à figura de Sam em Gen V. Ambos carregam uma fragilidade latente, quase ingênua, que contrasta com o ambiente hostil em que estão inseridos. 

Será que a gente pode ver isso como uma ressonância, um jeito diferente de explorar as mesmas dores universais dentro desse gênero específico? Ou até que ponto essa familiaridade de temas, essa repetição de dinâmicas emocionais em historias de heróis é realmente acidental? Deixo a pergunta pra você: Onde que termina a inspiração e onde que começa a repetição na cultura pop de hoje?

"Gen V" Divulgação/Prime Video

Essas semelhanças, ainda que possam ser acidentais, me afastaram da sensação de originalidade que o filme poderia ter, tornando-o mais genérico ou, no mínimo, menos ousado do que aparenta. É certo que, assim como The BoysGen V é sátira do gênero de super-heróis e toma muitas liberdades a partir da fonte. Mas, o que eu aponto aqui é o inverso, a dinâmica em Thunderbolts é quase uma referência direta! A presença constante de Emma ao lado de Sam, tentando acalmá-lo ou guiá-lo, encontra paralelo na forma como Yelena se aproxima de Bob, acolhendo sua dor. As duas dinâmicas se estruturam em torno do cuidado e da tentativa de proteger alguém que, por vezes, representa uma ameaça, mas cuja vulnerabilidade torna impossível ignorar.

Mas não posso desmerecer o que a Marvel acerta aqui. É justamente por esses motivos que o filme funciona para a grande maioria do público e crítica, assim como The BoysGen V. Porque não tenta esconder o lado feio da dor. Vemos Yelena se afundando, se sabotando, se perdendo, e depois, aos poucos, se reconstruindo. O filme tem consciência de que redenção não vem sem primeiro reconhecer o vazio. E faz isso sem didatismo: mostra, em vez de explicar. Como bem expressa uma frase atribuída a Robert Frost: a única saída é através.

A cena entre Yelena e Alexei, no meio da rua, é um soco gentil — e talvez o coração emocional de toda a narrativa. Ao mesmo tempo em que a personagem se expõe, ouvimos, através de Alexei, o reflexo de um amor falho, mas sincero. Um amor que reconhece erros, mas não desiste de enxergar a luz que ainda brilha, mesmo que fraca, na pessoa que se perdeu de si mesma. Quando o filme conecta o nome "Thunderbolts" à memória infantil de Yelena, quando ela queria ser goleira apenas para poder proteger os outros, tudo faz sentido. Não é só uma origem para o nome da equipe. É um lembrete de quem ela era antes de ser moldada pela violência do mundo. E talvez, no fim das contas, essa seja a grande mensagem do filme: que ainda dá tempo de voltar a ser quem você queria ser.

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