A Grande Moral de Wicked: Parte 2 e o Verdadeiro Poder de Glinda [Spoiler]

Se existe um detalhe que realmente mexe com a dinâmica entre Elphaba e Glinda em Wicked - Parte 2, é o momento final em que o filme sugere que algo mudou, e não apenas para a história, mas para a própria mitologia do musical. No longa dirigido por Jon M. Chu, vemos o Grimório, que antes só respondia à Elphaba, finalmente se abrir para Glinda. A imagem é forte por si só, mas o que ela significa?

Segundo Jon M. Chu, em entrevista à Entertainment Weekly, a entrega do livro não é apenas um gesto simbólico: é Elphaba (vivida por Cynthia Erivo) dizendo para Glinda (Ariana Grande) reconhecer o próprio poder. Nas palavras dele: "Ao entregar o livro a Glinda, Elphaba está dizendo: 'Você conhece o poder que possui e conhece a verdade.'." E eu diria, com sarcasmo: "Vai lá ser wicked também, querida! Você sabe que é capaz..." Brincadeiras à parte, é aqui onde pretendo plantar o que pode ser a moral dessa adaptação e reservo um subtítulo dedicado abaixo.





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Antes de apresentar o que considero ser a grande moral de Wicked: Parte 2, e apesar de concluir o filme com tamanho gesto de generosidade por parte de Elphaba, Chu (no centro da imagem) deixa claro que não existe uma resposta fechada sobre Glinda ter, de fato, recebido habilidades mágicas. Ele reforça que o filme termina justamente no ponto onde a expectativa se abre: "Não há uma resposta definitiva no final deste filme. É um desafio: 'O que você vai ser?' Não sabemos o que Glinda faz. Só sabemos que as possibilidades são belíssimas." (Fonte: Entertainment Weekly)

Ou seja: não é sobre o que Glinda se torna, mas sobre o que pode se tornar. A mudança é deliberada. Uma provocação do diretor para que o público decida o que essa nova Glinda significa dentro de Oz.


Cenas de "Wicked: Parte 1" acima e "Wicked: Parte 2" abaixo (Montagem da Internet)


Qual a Moral de Wicked: Parte 2?



Mesmo que a intenção do diretor seja a de criar algum suspense, nunca revelando quem Glinda é (ou o que ela fará a partir daqui), me atrevo, como sempre, a supor que essa versão da Glinda sempre será Galinda em essência. O final da segunda parte dessa história só reforça essa ideia para mim. Uma vez que a Bruxa Má morreu e Oz não tem mais seu bode expiatório favorito, toda a atenção se volta ao fato de que o bem não existe sem o mal, e vice-versa. E, quando essa dualidade desmorona, desmorona junto a imagem pré-existente da "boazinha/Glinda" fabricada em Oz. E o chapéu retorna a sua dona, enfim.

O chapéu da Bruxa Má sempre foi da Glinda, ainda na época em que era apenas Galinda, guardado entre seus pertences como uma herança antiquada da avó. Para Galinda, tratava-se de um acessório antiquado, um "presente feio/estranho", algo que ela considerava horrível demais para ela usar. O plano, ou impulso, então, foi dar o chapéu a Elphaba como uma espécie de provocação ou brincadeira de mau gosto. 

Seu gesto é quase uma crueldade social travestida de cordialidade. O chapéu, portanto, até então um objeto banal, é transformado em instrumento de humilhação e acaba moldando a imagem pública de Elphaba como a "vilã" de Oz. E, mesmo sem concordar totalmente com a mentira que ajudou a criar, Galinda (agora Glinda), sustentou a farsa até o fim; até a suposta morte da própria vilã que, de certa forma, ela mesma fabricou no momento que a vestiu com o chapéu. E é nessa ferida que a segunda parte toca.


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Com a queda da figura que representava o mal em Oz, o que resta para Glinda nesse sentido é exatamente o seu chapéu. Um símbolo que ela deveria ostentar com orgulho. Afinal, foi ela quem virou o rosto visível do "bem" em Oz em detrimento da outra que o vestia... Mas o olhar dela para isso agora diz outra coisa: não há felicidade ou satisfação alguma em carregar um legado construído sobre uma mentira. E sabe disso.

O final em aberto, no entanto, nos ajuda a manter certa esperança de que a personagem encontre, na solidão de Oz, algum novo propósito. Afinal, Glinda ("a boa") também foi, de certa forma, uma fabricação de Oz. As identidades da Bruxa Má e de Glinda não foram bem escolhas pessoais, mas sim papéis impostos a elas, e Glinda nunca foi tão boa assim pra começar, não é mesmo?


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O Verdadeiro Poder de Glinda


Glinda esconde que também tem um lado wicked esse tempo todo. Não no sentido de maldade, mas no sentido de complexidade de caráter (muito embora faça mal de propósito para Elphaba por algum tempo). Ela quer acreditar na própria luz, mas sabe que essa luz foi construída sobre sombras que ela ajudou a projetar na amiga. E é por isso que o final em aberto soa ambíguo e confortante ao mesmo tempo: ele sugere que, talvez sozinha, Glinda finalmente tenha de olhar para dentro de sua bolha com mais verdade e veemência, o que também pode ser "belíssimo", como sugere o diretor, no fim das contas.

Talvez exista algo que a reconcilie não só com o papel que lhe sobrou, mas também com aquilo que ela vinha escondendo de si mesma: a sombra que sempre carregou, mas nunca quis admitir. Aquela parte que participou, ainda que relutante, da fabricação de uma vilã; a culpa por ter sustentado uma narrativa falsa, a vaidade de ter aceitado um papel de "boa" mesmo sabendo o custo disso, o medo de que, sem Elphaba como contraponto, o mundo finalmente enxergue suas ambiguidades e complexidade humana; a verdade desconfortável de perceber que, embora sejam muito diferentes, ela não seja tão "boa" quanto sempre fingiu ser.

E se o maior poder que a Glinda poderia ganhar não for magia, mas sim autenticidade? A chance de, pela primeira vez, não ser Glinda ("a boa"), mas ser simplesmente Glinda. Complexa, imperfeita e, finalmente, livre. Essa, quem sabe, seja a verdade mais perversa de todas.




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Esta análise reflete a interpretação do editor e se baseia exclusivamente nos eventos e leituras da adaptação cinematográfica de Wicked, não correspondendo necessariamente ao material original dos livros.






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Francisco P. Neto
Criador e editor do CaroCineasta.
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