Entre a Beleza e o Enigma: O Contemplativo "Flow" de Gints Zilbalodis

No universo da animação contemporânea, onde narrativas aceleradas frequentemente tomam o protagonismo, "Flow", dirigido pelo cineasta letão Gints Zilbalodis, emerge como um oásis de contemplação. 

Este longa-metragem, que mistura o encantamento do estilo visual minimalista com uma abordagem profundamente emocional, não só encanta pela estética como também intriga pelas camadas de significado. O filme segue a jornada de um gato independente que, após perder seu lar em uma enchente, é forçado a confrontar seus medos e a aprender o valor das conexões.





Entrevista


Zilbalodis descreve "Flow" como uma obra que reflete seu próprio processo criativo e crescimento. “O filme é muito pessoal”, explica. “Assim como o gato, que precisa aprender a trabalhar em grupo, eu também precisei me adaptar a essa dinâmica ao produzir este projeto com uma equipe maior.” Essa experiência de colaboração foi uma ruptura significativa para Zilbalodis, que anteriormente produziu filmes como "Away", um projeto inteiramente solo.

Enquanto o gato aprende a conviver com a água e a trabalhar com outros animais no barco, Zilbalodis navegou as complexidades de coordenar uma equipe internacional, distribuída entre Letônia, França e Bélgica. O resultado é um trabalho que, mesmo em escala maior, mantém a autenticidade e as imperfeições que o diretor considera essenciais para transmitir emoção.


"Flow" (Imagem/Divulgação)

Um dos aspectos mais marcantes de "Flow" é seu equilíbrio entre naturalismo e estilização. Embora os movimentos e comportamentos dos animais sejam fundamentados em referências reais – como vídeos do YouTube ou filmagens de pets pelos próprios animadores –, o filme evita o hiper-realismo. A equipe concentrou detalhes apenas onde eram narrativamente necessários, criando um universo que, segundo Zilbalodis, “não é realista, mas inspirado na realidade”.

A ausência de diálogos obriga o filme a usar elementos visuais como iluminação, enquadramentos e microexpressões para transmitir emoções profundas. “Gastamos muito tempo aperfeiçoando os olhos dos personagens”, diz Zilbalodis, enfatizando que esses detalhes mínimos foram cruciais para evocar as emoções sutis e complexas que permeiam a história.


"Flow" (Imagem/Divulgação)

Apesar de sua simplicidade aparente, "Flow" convida o espectador a participar ativamente do processo de interpretação. O filme oferece dicas visuais sobre o mundo devastado pela enchente, mas deixa questões importantes, como a ausência de humanos, abertas à imaginação. “Eu não queria explicar tudo. Prefiro que o público preste atenção e seja recompensado pela observação”, afirma o diretor.

Além disso, a história evita lições morais simplistas. A jornada do gato em direção à cooperação é equilibrada pela trajetória de um cão que aprende a ser mais independente, sugerindo que o equilíbrio entre autonomia e colaboração é onde reside a verdade mais profunda.


Comentário de Guillermo del Toro sobre o filme em Cannes:


Apresentado em Cannes como o único filme de animação em sua programação, "Flow" rapidamente conquistou distribuição internacional, tornando-se um dos filmes letões mais amplamente lançados. Para Zilbalodis, isso reflete a força do formato: “A ausência de diálogos ajuda o filme a transcender barreiras culturais.”

Mesmo com um orçamento limitado, o projeto se destacou pela criatividade e pela paixão de uma equipe jovem, que viu no desafio uma oportunidade de aprendizado. Essa abordagem garantiu que cada recurso fosse usado com precisão, eliminando a necessidade de cenas descartadas ou alterações significativas na pós-produção.

Enquanto ainda processa o impacto de "Flow", Zilbalodis já trabalha em seu próximo projeto, prometendo inovação técnica e um toque mais humano. “Será uma história fantástica sobre pessoas, mas ainda muito pessoal”, revela. Mesmo com a introdução de diálogos e novas técnicas, ele planeja permanecer no território da animação independente, onde acredita que a autenticidade artística pode florescer.

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